Espero sinceramente que esta crónica pareça completamente ridícula daqui a meia dúzia de anos.
Trata-se de uma crónica que tem por tema a inauguração com a presença do Presidente da República!
Num país minimamente desenvolvido, com um saudável sistema de economia de mercado, a inauguração de um novo Centro Comercial representa, quando muito, uma notícia relevante para o bairro onde o mesmo se situa.
O facto de um tal acontecimento nos entusiasmar tanto (a mim entusiasma) diz bem do lamentável atraso em que nos encontramos – é o espanto do camponês ao ver pela primeira vez uma televisão (ou, ao invés, do menino da cidade diante de uma galinha).
Daqui a meia dúzia de anos espero, pois, que a notícia da inauguração de um centro comercial já não alvoroce ninguém.
Olhando para trás haveremos todos de sorrir, com certa auto-ironia, ao lembrarmo-nos do tempo em que não havia em nenhuma cidade angolana um bom cinema, com filmes actuais, ou sequer uma boa livraria.
Nessa altura o Presidente da República, quem quer que seja, há-de estar a inaugurar grandes bibliotecas públicas, bons hospitais, auto-estradas, escolas em bairros carentes, e então nós teremos orgulho nesse Presidente da República.
Os nossos ricos – por falar em centros comerciais – são igualmente reveladores do terrível atraso em que três décadas de guerra, corrupção e incompetência deixaram o país. Não temos ainda ricos como os ricos dos países ricos.
Os ricos dos países ricos são charmosos e elegantes. Praticam musculação em casa, uma hora por dia, com a ajuda de um personal trainer, e ainda lhes sobra tempo para o Ioga, a escalada, a esgrima, ou a equitação.
Os nossos ricos, esses, luzem de gordura. Acham que assistir ao futebol, sentados num sofá, é a forma mais confortável de fazer desporto.
Os ricos dos países ricos morrem de velhice perto dos cem anos.
Os nossos sofrem crises de malária e morrem vítimas de doenças ligadas a maus hábitos alimentares, como os pobres dos países ricos, antes dos setenta.
Os nossos têm uma fotografia do Presidente da República a inaugurar centros comerciais.
Os verdadeiros ricos coleccionam a grande arte do nosso tempo – Paula Rego, David Hockney, Portinari, Basquiat, etc..
Os nossos ricos coleccionam "arte africana", o que quer que isso seja, comprada muitas vezes nos mercados populares.
Os verdadeiros ricos assistem em Londres ou em Nova Iorque a concertos dirigidos por grandes maestros.
Os nossos assistem em Luanda a desfiles de misses.
Os ricos legítimos almoçam num dia com Mário Vargas Llosa, em Paris, e no outro com Barack Obama, em Washington.
Os nossos almoçam com o Pierre Falcone em algum recanto escondido.
Os nossos lêem a "Caras", na versão nacional, e sorriem felizes de cada vez que encontram o próprio rosto (encontram sempre, é inevitável) iluminado por uma aura de gordura. Resumindo: os nossos ricos são uma fraude. São tão duvidosos, enquanto ricos, tão refutáveis e mal-amanhados, quanto eram enquanto comunistas. Precisamos, urgentemente, de novos novos ricos. Ou então resignamo-nos a que estes envelheçam. Porém, como disse antes, receio que a maior parte morra antes de envelhecer decentemente.
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By:
José Eduardo Agualusa