quinta-feira, abril 26

Os ricos de Angola

Espero sinceramente que esta crónica pareça completamente ridícula daqui a meia dúzia de anos.

Trata-se de uma crónica que tem por tema a inauguração com a presença do Presidente da República!

Num país minimamente desenvolvido, com um saudável sistema de economia de mercado, a inauguração de um novo Centro Comercial representa, quando muito, uma notícia relevante para o bairro onde o mesmo se situa.

O facto de um tal acontecimento nos entusiasmar tanto (a mim entusiasma) diz bem do lamentável atraso em que nos encontramos – é o espanto do camponês ao ver pela primeira vez uma televisão (ou, ao invés, do menino da cidade diante de uma galinha).

Daqui a meia dúzia de anos espero, pois, que a notícia da inauguração de um centro comercial já não alvoroce ninguém.

Olhando para trás haveremos todos de sorrir, com certa auto-ironia, ao lembrarmo-nos do tempo em que não havia em nenhuma cidade angolana um bom cinema, com filmes actuais, ou sequer uma boa livraria.

Nessa altura o Presidente da República, quem quer que seja, há-de estar a inaugurar grandes bibliotecas públicas, bons hospitais, auto-estradas, escolas em bairros carentes, e então nós teremos orgulho nesse Presidente da República.

Os nossos ricos – por falar em centros comerciais – são igualmente reveladores do terrível atraso em que três décadas de guerra, corrupção e incompetência deixaram o país. Não temos ainda ricos como os ricos dos países ricos.

Os ricos dos países ricos são charmosos e elegantes. Praticam musculação em casa, uma hora por dia, com a ajuda de um personal trainer, e ainda lhes sobra tempo para o Ioga, a escalada, a esgrima, ou a equitação.

Os nossos ricos, esses, luzem de gordura. Acham que assistir ao futebol, sentados num sofá, é a forma mais confortável de fazer desporto.

Os ricos dos países ricos morrem de velhice perto dos cem anos.

Os nossos sofrem crises de malária e morrem vítimas de doenças ligadas a maus hábitos alimentares, como os pobres dos países ricos, antes dos setenta.

Os verdadeiros ricos têm no escritório uma tela de Miró ou de Picasso.

Os nossos têm uma fotografia do Presidente da República a inaugurar centros comerciais.

Os verdadeiros ricos coleccionam a grande arte do nosso tempo – Paula Rego, David Hockney, Portinari, Basquiat, etc..

Os nossos ricos coleccionam "arte africana", o que quer que isso seja, comprada muitas vezes nos mercados populares.

Os verdadeiros ricos assistem em Londres ou em Nova Iorque a concertos dirigidos por grandes maestros.

Os nossos assistem em Luanda a desfiles de misses.

Os ricos legítimos almoçam num dia com Mário Vargas Llosa, em Paris, e no outro com Barack Obama, em Washington.

Os nossos almoçam com o Pierre Falcone em algum recanto escondido.

Os verdadeiros ricos lêem o Times Literary Suplement e a New Yorker.

Os nossos lêem a "Caras", na versão nacional, e sorriem felizes de cada vez que encontram o próprio rosto (encontram sempre, é inevitável) iluminado por uma aura de gordura. Resumindo: os nossos ricos são uma fraude. São tão duvidosos, enquanto ricos, tão refutáveis e mal-amanhados, quanto eram enquanto comunistas. Precisamos, urgentemente, de novos novos ricos. Ou então resignamo-nos a que estes envelheçam. Porém, como disse antes, receio que a maior parte morra antes de envelhecer decentemente.
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By:
José Eduardo Agualusa

quarta-feira, abril 18

A CAVERNA E NOSSA SOCIEDADE

A metáfora narrada por Platão em "A Republica", cheia de mitos, foi criada para compreendermos a realidade em que a humanidade se encontra, ou seja, estamos sujeitos às sombras e vê-las como a verdade.

Em seu livro ele relata um grupo de pessoas que vivem no fundo de uma caverna, todos foram presos na infância, imobilizados por correntes, sentados de costas para a entrada da caverna, sem poder se moverem olhando sempre para o fundo da caverna. Assim como a sociedade atual, o povo do subterrâneo tem a sua existência dominada pela ignorância, se contentando com a luz projetada nos objetos, que formam sombras que surgem e desaparecem diante de seus olhos. As pessoas precisam sair da caverna para chegar a um conhecimento superior, abrindo a mente para novas experiências, para novos horizontes, podendo assim crescer interiormente e politicamente.

Mas com isso Platão nos mostra como é difícil e doloroso chegarmos ao conhecimento, se formos libertados e arrastados para longe de nossas cavernas, nos sendo obrigado a percorrer caminhos indefinidos, para romper a ignorância. Em primeiro instante a luminosidade não nos permitira enxergar nada, nesse instante não iríamos conseguir capturar nada em sua totalidade, a princípio, entenderíamos as sombras, porém com a persistência, finalmente poderemos ver os objetos em sua totalidade, com perfis definidos, conseguindo distinguir os próprios seres.

Mas esta nova etapa não consiste apenas em descobrir, mas ir à busca de algo superior, como contemplar idéias que regem as sociedades, conhecendo a verdade e reunindo a inteligência, a moral e a lógica. Assim logo compreenderíamos que as sombras, as quais estamos acostumados, são as coisas que consideramos reais, e que a luz são as idéias verdadeiras, o conhecimento verdadeiro. Assim notamos a passagem da ignorância para a opinião e depois para o conhecimento. Podendo contemplar as idéias, tornando-se apto para descobrir que a luz representa a razão.

Então quando voltamos para a caverna, nossos antigos companheiros que continuaram na escuridão da caverna, zombariam de nossas idéias, pois imaginam que o mundo que conhecem é o único mundo verdadeiro e o pior, não querem se livrar dele, isso porque estão presos a um método incorreto de ver a realidade e só conhecem aquele mundo. Imaginam essa pessoa como um egocêntrico, um extravagante, ou um doido como foram considerados a maioria dos pensadores.

Mas se alguns o ouvissem, e também decidissem sair de suas cavernas rumo à realidade, não haveria tanta desigualdade, os sábios não devem apenas socializar os conhecimentos, mas devem sim, ser chamados as regências das sociedades. O homem justo em nada difere do estado justo, a mesma moral para o homem e o Estado prudência, coragem e temperança.

O governo das cidades cabe aos mais instruídos e a aqueles que manifestam mais indiferença ao poder, pela simples razão de serem os únicos a vislumbrar o belo, o justo e o bem. Aquele que vê o bem em sua essência vive na realidade. O verdadeiro líder é aquele que conduz sua alma racionalmente para se dirigir ao bem verdadeiro, utilizando à energia do amor, podendo assim compreender a justiça, a honra, a fidelidade, ou seja, todas as virtudes supremas.

Bibliografia:
Platão, A Republica. Supervisão editorial Jair Lot Vieira. Bauru - 2001
Chalita, Gabriel. Vivendo a Filosofia - Filosofia antiga 1. São Paulo - Minden - 1998
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Por:
RENATO RIBEIRO VELLOSO (renatov@ajato.com.br) – Pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional, pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra, Portugal, cursando MBA em Economia e Direito do Sistema Internacional, pela Universidade de São Paulo – USP, e co-autor do livro “Crimes Tributários e Econômicos”, pela Editora Quartier Latin do Brasil.