sexta-feira, abril 28

Crónica das boas maneiras.


As boas maneiras nasceram no dia em que um casal de antepassados, distantes do angolano actual, foi convidado para a caverna de um outro casal, para devorar uma perna de veado.

Depois da pança cheia, à volta da fogueira, os visitantes reconfortados fizeram o devido elogio ao tempero de jindungo e vinha de alhos, que só muito mais tarde se viria a tornar tempero universal.

A anfitriã agradeceu. O visitante arrotou, colocou delicadamente a mão à frente da boca, sorriu embaraçado e justificou:
“Estava mesmo bom!”.

Tinham nascido as boas maneiras. À mesa.

As boas maneiras, como se vê, começaram em casa. E vão abarcando os parentes, os vizinhos mais próximos, as figuras conhecidas do bairro, do país.

As boas maneiras implicam gentileza, fraternidade, atenção e solidariedade para com o próximo.

Batemos palmas para nos fazermos anunciar (à falta de campainha, que nem sempre há energia).

Acenamos os bons dias à esquerda e à direita, numa interacção do indivíduo com a sociedade em que está inserido, desde que acorda até que recolhe ao descanso.

O contrário das boas maneiras são os maus modos que, em situações extremas podem chegar ao cúmulo da agressão ao semelhante. E os maus modos, chegados ao limite, são a razão das guerras, civis ou inter-estados, o que pode ser considerado como cúmulo da perda das boas maneiras.

Por: Manuel Dionísio
In: Austral.
Revista de bordo – Jan./ Fev. /Mar. – TAAG – Linhas Áreas de Angola

sexta-feira, abril 7

Desabafo...

Por norma, não gosto de falar daquilo que desconheço, embora me seja lícito partilhar a minha opinião, muito particular, que não passa disso mesmo. No entanto, de muitas opiniões e comentários lidos, de conversas com amigos, de estudos que são feitos ( e que gosto sempre de ler), em fim, de vivências do dia a dia, até às conversas em muitos serões (que já lá vão no tempo) com os meus pais, e familiares – Angolanos -, eu própria nascida em Luanda, mas tendo vindo para Portugal miúda ainda, já lá vão 28 anos; de todas essas trocas de experiências, que são vida no fim das contas, algo tenho vindo a verificar e chego a algumas conclusões.
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Ou seja:
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Dizem que os Portugueses são um povo franco, aberto e acolhedor; (não é tão verdade quanto isso).
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Dizem que os Angolanos são um povo franco, aberto e acolhedor; (não é tão verdade quanto isso).
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Centro-me em Portugal porque é o país onde vivo e em Angola, pelo que atrás expus.
Na verdade o racismo que existe em Portugal existe em Angola. Mas parece-me que em Angola existe uma agravante, que é o facto de as pessoas de raça negra, serem racistas para com os da sua própria raça, basta que o tom de pele clareie um pouco mais (mais propriamente em relação aos chamados “cabritos”).
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Logicamente que as excepções confirmam as regras, e que não podemos catalogar toda a gente, nem ver toda a gente pela mesma bitola, no entanto, isto é bem verdade. É engraçado, mas nunca senti qualquer espécie de discriminação aqui em Portugal, desde que aqui cheguei, depois da Independência de Angola, vim em 1978. Pelo contrário, ao longo dos anos, ao longo da vida, tenho tido sempre as mesmas oportunidades e nunca dei por alguém a olhar-me de lado, ou a tratar-me de forma diferente.
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Já aí em Angola, tenho pessoas de família, que embora tivessem nascido cá, tenham um trato e uma forma de estar, com todas as costelas angolanas, e no entanto, tendo-se deslocado a Angola, tenham sido vergonhosamente discriminadas. E não é discriminadas pelo esquemas que aí se praticam, pelos subornos constantes que oprimem e envergonham (mas que mesmo sendo de certa forma compreendidos, nunca poderão ser aceites, se quisermos uma Angola diferente, verdadeira).
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Que me desculpe quem lê, mas eu acredito que a Angola em que vivi, e em que os meus pais viveram, e em que a minha irmã mais velha e as minhas primas viveram, era saudável, era linda, era transparente, era honesta e sincera. Era sim a Angola que deixava saudades e fazia com que se voltasse. Pela cultura, pelo modo de estar, pelo modo de ser. Não podemos ter a guerra como escudo, para justificar atitudes. Há essencialmente pessoas, e são essas que dotadas do livre arbítrio, da capacidade maravilhosa de pensamento, se devem distinguir nas suas acções, na sua forma de ser e estar, de receber e de dar.
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Sou Angolana com orgulho. Sou africana e não gostaria de ser outra coisa qualquer, mas tenho que admitir que grande parte do povo Angolano, é como é, vive dos esquemas (por precisar muito bem), mas também porque é uma “mama doce” que não querem largar. Não é só o corpo governamental que se aproveita do povo, é esse mesmo povo que se aproveita do seu semelhante, porque não tem a coragem de pôr um fim nesse poder corrupto, há tempo demais. Acredito, quando leio, dito por Angolanos que aí vivem, que está a ser feito algo, mas isso é um grão de areia, comparado com aquilo que quem de direito, tem a obrigação de fazer.
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Não culpo o povo, claro que não, mas que o povo tem a sua quota parte de erro e culpa, tem. Porque o povo assiste impávido e sereno, lutando no seu dia a dia, para poder sustentar a família. É mais fácil entrar nos esquemas e “safar-se”, ir-se safando, do que enfrentar a classe governante, que ostenta de forma vergonhosa, baixa e cruel a sua riqueza. Que me desculpem, mas não consigo conceber uma Angola, em que para ter um serviço público como deve de ser, a que tenho direito, tenha que “lambuzar” as mãos de alguém.
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Tenho saudades de Angola, trouxe essas saudades com 10 anos, trouxe imagens que me ficaram e que não quero ir aí, apaga-las de forma dura da memória, pela forma como Angola está agora. Mas sabem, sinto no meu coração, que se fosse a Angola agora, ia sentir-me magoada no meu coração, por demais. Não ia gostar, e não é só pela degradação física e material (comparado com as imagens que tenho no coração e na mente), mas ia magoar-me pela atitude das pessoas, pela forma como seria tratada, pela forma como seria olhada, eu uma Angolana de gema e de coração.
Claro que há muita gente que vai a Angola e gosta, fica apaixonada, pelas paisagens e belezas naturais, é lógico. Angola é LINDA! Talvez esses, vistos como estrangeiros, sejam bem recebidos, porque têm “contrapartidas” para dar.
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Louvo sim senhor, muitos post’s e muitas opiniões, de gente Angolana que fala com consciência, que acredita. Mas a verdade é que nos dias que correm, o egoísmo humano tem transformado as sociedades, o mundo. As pessoas não se reaproximam, pelo contrário, as pessoas afastam-se, “constroíem muros em vez de pontes”. Aqui em Portugal não é melhor. É tudo muito sombrio, rostos carrancudos, inveja, consumismo, tristeza.
O povo não acredita em si próprio, na sua força, caso contrário Angola já não seria o que é!
Mas cada um de nós, é que tem que fazer a diferença!!!
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Por:
Kiara; Portugal