sábado, dezembro 3

Cânticos anónimos II

Tenho andado agora nos candongueiros (táxi), nos autocarros públicos e a pé. Não porque me apraz, mas porque fiquei sem o meu “rolante”, cansado de tantos remendos. Andar a pé e de candongueiro até dá gozo. Vive-se a vida verdadeira do povo.
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Cruzo todos os dias com zungueiros, gatunos de telefones, estivadores em mercados paralelos, biscateiros de toda a sorte, Doutores de todas as áreas caídos na desgraça, militares, polícias, enfim, todos os que não andam em carros luxuosos e com vidros fumados.
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Oiço todos os dias músicas, ou melhor cânticos, alguns alegres, bafejados pelo vinho torpecente. Outros de angústia causada pela vida que não anda.
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Hoje, do aeroporto para o meu local de serviço meti-me num azul e branco (táxi) onde o cântico era sobre as estradas que dão acesso à baixa. "Muitas obras, estradas sempre estreitas, muito “engarrafamento” e notícias que só falam sobre milhões na comunicação social, quando o povo definha".
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Vi também um coronel na conversa e conclui que os generais só não falam porque ainda não os ouvi. MAS QUEM SABE…
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Do Hospital militar ao mercado dos “congolenses” (assim se diz ao contrário de congoleses que seria ideal) andei num autocarro da TCUL. O cântico foi sobre a vida difícil que “o povo leva”. Ouvi homens e mulheres a reclamarem a destruição pelo governo (?) do mercado do ASA Branca*, no Cazenga.
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Ouvi dizeres como:
-" O povo vai morrer de fome".
- " A vadiagem e a droga vao aumentar".
-" Os assaltos vão piorar ".
-" Esse governo vai nos matar", etc.
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Ouvi também argumentos como:
-“se eles passavam a vida a biscatear, vender qualquer coisa ou mesmo indicando o caminho para a compra disto ou daquilo em troca de um cem ou cinquenta, agora que acabaram com o mercado, a coisa vai ficar complicada”.
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Ouvi ainda interrogações várias no mesmo cântico tais como:
- "Como é que vamos fazé?"
-"Onde é que vamos cume?"
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Ouvi outros cânticos anónimos na viagem, também de táxi, dos congolenses ao mercado da Estalagem e deste à Boa fé, ida e volta. Ouvi apelos a “quem de direito” em expressões como:
-"Mas quê que anda então fazé o quem de direito?"
-"Mas o presidente tá então a fazé só o quê, que não toma ja medida?"
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Ouvi depois argumentos como:
-“o próprio presidente sabe”, e insinuações como:
-“Deixa lá, no Zaire também foi assim, mas chegou o dia”.
Um jovem demonstrando atrevimento ainda rematou:
-“ Isso só muda mesmo quando o kota bazar. De velhice ou de eleição”
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*O mercado do ASA branca chamava-se "Ajuda o Marido" e foi assim rebaptizado em 1987 quando a TPA passava a novela brasileira Roque Santeiro. Na sua missao de ajudar o marido naquele tempo da ração planificada, ombreava com o também extinto " Tira biquini" ou "Cala a boca" e a praça das Corridas, actual "Tunga-ngo"( em kimbundu constroi so). A extinção do Cala a boca deu lugar ao surgimentos dos mercados dos Kuanzas e do Roque santeiro.
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Por:
Soberano Canhanga

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando um país é democrático e desenvolvido, as sondagens constantes mostram a quem governa o que o povo deles pensa. Quando um país é democrático, pela imprensa quem governa fica a saber o que deles o povo pensa. Quando um país é só país, o melhor que quem governa tem a fazer é mandar alguém de confiança andar de condongueiro e saber o que o povo normalmente cala...

Anónimo disse...

Estão a confundir o Soberano com agente do governo??? Inacreditável! Mas são opiniões...