quarta-feira, novembro 16

Desabafos de um Padre*

“o colonialismo não morreu com as independências...não só se naturalizou, como passou a ser co-gerido entre ex-colonizadores e ex-colonizados”
.
Estou zangado! Muito zangado, mesmo!! Há gente que continua a falar mal da minha mãe. O pior de tudo é que o que dizem dela é mesmo verdade. Ao elogiá-la, os seus filhos alinham adjectivos contraditórios: dizem que a mãe África é o berço da humanidade, mas é o continente do futuro e da esperança. Vários séculos se passaram e ela continua sendo o continente do futuro. A África ainda não é o continente do presente, como os outros.

Os anos passam e a África continua sendo o continente do futuro, na esperança de um presente no futuro. Em 2001, Alpha Blondy lançou um grito: «j’insiste, je persite e je signe, que les ennemis de l’Afrique sont les africains» (eu insisto, persisto e assino que os inimigos de África, são os próprios africanos).

Afinal, os inimigos da mãe África são os africanos, ou seja, os próprios filhos da mãe África! Não tenho razão para estar zangado!?
É difícil aceitar que, em África, a vida humana esteja a ser tão coisificada e banalizada pelos seus próprios filhos, que apostaram em várias décadas sucessivas de guerras que continuam a transmitir-se de pais para filhos, de geração para geração.

(...)Os outros lutam pelo desenvolvimento, mas nós batemo-nos pela cessação das hostilidades; os outros inventaram o Computador, a Internet e os Móvel, mas nós vendemos-lhes riquezas e compramos armas para destruir as nossas riquezas; os outros vivem em democracia, nós instauramos a tirania; os outros têm cientistas políticos, nós dispomos de “engenheiros” políticos.

O vírus da corrupção atingiu o próprio desporto: os outros investem nos jogadores, nós investimos nos árbitros!...Alguns dirão que este quadro é demasiado pessimista. É provável que o seja. Mas, se já não é negro, continua cinzento e triste. Hoje, a nossa mãe África tornou-se num dos grandes laboratórios de sofrimento da humanidade, onde se pratica, inclusive, o genocídio estrutural e sistematizado; onde se elimina o futuro de inúmeros jovens e crianças.

O cenário é asqueroso: guerra fratricida, genocídios programados, pobreza colectiva, fome, miséria, doenças, pilhagens, vida precária, morte precoce, êxodo e exílio forçados de populações; refugiados sempre calculados aos milhões; corrupção e injustiças organizadas em sistemas tornando-se numa gangrena, numa septicemia geral.

(…)O futuro reserva-nos um presente de esperança. O futuro vai resolver todos os nossos problemas, presentes e futuros. Basta ter esperança do presente, no futuro; basta acreditar no presente que está no futuro. Ora, este tipo de discurso é sempre antigo, sempre novo e será sempre renovado: a felicidade, ou melhor, o presente, está bem situado: no futuro! Por isso é que, com razão, Mia Couto se interroga: será que “no passado o futuro era melhor?”.

Os filhos de outros continentes, sempre admiraram, comovidos, a nossa habilidade para viver neste contraste dramático entre amor e ódio; entre a alegria de viver e o terror; entre a solidariedade e o fratricídio; entre a vida e a morte. (…)

(…)O africano sabe esperar, sabe confiar, mesmo quando está submetido a um sistema irracional de violência desprovido de qualquer sentido, capaz de destruir vidas humanas, de paralisar e de condicionar o desenvolvimento da mãe África! A esperança é a última a morrer e, por isso, esperamos ansiosos a vinda do presente de felicidade no futuro. Este era o discurso das nossas trisavós, dos nossos bisavós, dos nossos avós, dos nossos pais e, certamente, continuará a sê-lo daqueles que hão de vir!...Continuo zangado! Muito zangado, mesmo! Afinal, quem vai salvar a minha mãe?!...
.
.
Por:
Pe- António Estêvão
In Apostolado
.
Cedido por: Pacavira
*Título da autoria de MN

6 comentários:

ELCAlmeida disse...

O problema de África e dos africanos está sintetizado nestas palavras de Mia Couto (in Africanidades. com): "Aflige-me a facilidade com que vamos a reboque de ideias e conceitos que desconhecemos". Mas este não é um problema só dos africanos. É um problema de todos aqueles que desejam se subalternizar... e nisso os africanos não serão menos que os outros.
Eugénio Costa Almeida

Anónimo disse...

Obrigado pela sua visita. Gostei deste blog. Um abraço.

ELCAlmeida disse...

Não é Africanidades, mas Africamente.com. As minhas desculpas ao Desabafos e, naturalmente, a Mataveia, do Africamente.com.
Um pequeno lapso de que me penalizo.
Cumprimentos
Eugénio Almeida

Blogante disse...

A Almeida:
-"Aflige-me a facilidade com que vamos a reboque de ideias e conceitos que desconhecemos". -Assustam-me algumas similaridades entre nós brasileiros e vocês africanos.

Saudações aos Angolanos.

Anónimo disse...

No Brasil, está igual.
Aqui se compra os árbitros, como no atual Campeonato Brasileiro. E todo dia, pelo menos 30 a 50 irmãos são assassinados só na cidade do Rio de Janeiro e São Paulo.
Abraços de alguém que tem sangue angolano nas veias... como 95% dos brasileiros, por sinal..

Leandro

Anónimo disse...

Penso que a semelhança discutida entre Angola e Brasil está calcada no fato de ambas terem sido colónias de exploração ("plantation").

Fato é que o Brasil, como a maior parte da América Latina, sob a proteção norte-americana, recebeu (vejam, não conquistou) sua independência formal, ou se preferirem, jurídica.

Há imensa dependência econômica e as práticas internacionais persistem.

Oras, produtos não industrializados (sobretudo agropecuários no caso do Brasil, mas também minérios e outros extraidos) ou parcialmente industrializados continuam a responder pela maior parte das receitas dos países desenvolvidos (nada de em desenvolvimento, eufemismo maldito).

Enfim, Brasil, tal como Angola, sofrem ainda com a influência estrangeira e receberam ainda o fardo da tolerância à corrupção, algo cultural, que advém, sem dúvidas de Portugal.

Enfim, é preciso encontrar, cada qual, seu caminho para superar as adversidades. Há pontos em comum, por razões óbvias de indentidade histórica e cultural. Mas o Brasil é diferente de Angola e vice-versa.

Ótimo Blog, de excelente qualidade. Estão de Parabéns.

Abraços do Brasil,

Jaime Machado